domingo, 31 de agosto de 2008

(Reportagem de uma revista)Ficantes ou passantes?


O enredo é simples: eles se conhecem, saem juntos uma ou duas vezes, ela começa a se envolver, e ele faz o quê?Inventa uma desculpa esfarrapadíssima para sair fora ou simplesmente desaparece. ”Lembra-te que és pó e ao pó voltarás”, dizia a inscrição na entrada dos antigos cemitérios. Os homens de hoje estão levando as palavras do evangelho a sério. Quando o ficar ameaça virar romance, eles se pulverizam. Ou seja: os ficantes nunca ficam. Nesse caso, não seria mais adequado chamá-los de passantes?Ou transeuntes?Faço a pergunta a uma amiga que está sempre se queixando dos homens que evaporam. ”Passantes eu tinha antigamente, hoje só me aparecem andarilhos; não contam onde moram, não dão o número do telefone e, quando a gente menos espera , já estão com a mochila nas costas.”
Ficante que não fica assumido, um amigo meu fala assim: “Minha fila não anda: ela faz spinnig. Se elas exigem uma explicação, falo que perdi meu celular e fiquei sem o número delas.” É a desculpa mais recorrente. A quantidade de aparelhos que “some” é tão grande que a gente chega a imaginar se não existiria por ai um cemitério de celulares, com dizeres como “Aqui jaz um Nokia” ou “Descanse em paz, Motorola”.
Esse amigo costuma alterar a história do celular com a monografia que tem que fazer para a faculdade. “Quando você fala em monografia, as mulheres acreditam. O problema é que as mulheres romanceiam tudo, fazem mil planos e depois se decepcionam. ’’ Outra amiga não concorda. “A gente cria expectativas porque eles dizem que vamos passar o réveillon juntos, descrevem os amigos que vão nos apresentar, enchem nossas cabeças de fantasias e, de repente, somem. E, quando um dia dão de cara com a gente na rua, ainda têm o cinismo de dizer: ‘Oi sumida!’. Alguém merece?”
“Merecer, não merecemos, mas vivemos passando por isso”, argumenta. Ela tem motivos para ficar irritada. Depois de passar um ano se correspondendo com um português pela internet, a secretária raspou a conta da poupança e foi conhecer seu amor virtual em Lisboa. No primeiro dia, um susto: ele contou que era pai -de-santo. ”Foi um choque, mas tudo bem, é que até então só sabia que ele era comerciante. O problema é que o português foi se retraindo cada vez mais e, no dia de levá-la ao aeroporto, soltou a pérola: disse que tinha uma missão espiritual na Terra, e que seu guia havia dito para ele se afastar dela, porque essa missão não permitia que ele tivesse uma companheira. “É o máximo da humilhação”, desabafa, “Você ser despachada por um guia português!”
Entusiasmadíssima com um ficante com quem só tinha saído uma vez, outra amiga minha esperou com ansiedade pelo segundo encontro. Passou o sábado se arrumando e, na hora H, nada. Ele não apareceu, não telefonou e não atendeu o celular. No domingo, ela insistiu até conseguir falar, e aí ouviu a justificativa: ele tinha sido abduzido! Contou que estava voltando da fazenda com uns amigos quando viram uma luz estranha e a caminhonete em que estavam parou. Segundo o ficante, eles viveram algumas horas estranhíssimas _ não viam ninguém, mas sentiam presenças diferentes e não conseguiam sair do local. Só foram “liberados” de madrugada e por isso ele não apareceu, explicou.”Fazer o que numa hora dessas?”, pergunta ela. “Xingar, bater, rir?” E conclui, implacável: “Quando um homem está a fim de uma mulher, não existem obstáculos. E, quando ele perde o interesse, qualquer coisa serve de pretexto – até mesmo os ETs...”

domingo, 24 de agosto de 2008

Vinícius de Moraes.


Como dizia o poeta quem já passou por essa vida e não viveu.

Pode ser mais, mas sabe menos do que eu.

Porque a vida só se dá pra quem se deu.

Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu.

Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não.

Não há mal pior do que a descrença.

Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão.

Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair.

Pra que somar se a gente pode dividir.

Eu francamente já não quero nem saber, de quem não vai porque tem medo de sofrer.

Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão.

Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não.

Isto é virtual? (Rosa Pena)


Entrei apressado e com muita fome no restaurante. Escolhi uma mesa bem afastada do movimento, pois queria aproveitar os poucos minutos que dispunha naquele dia atribulado, para comer e consertar alguns bugs de programação de um sistema que estava desenvolvendo, além de planejar minha viagem de férias que a tempos não sei o que são.
Pedi um filé de salmão com alcaparras na manteiga, uma salada e um suco de laranja, afinal de contas fome é fome, mas regime é regime né?
Abri meu notebook e levei um susto com aquela voz baixinha atrás de mim:
- Tio, dá um trocado?- Não tenho, menino.- Só uma moedinha para comprar um pão.- Esta bem, compro um para você.
Para variar, minha caixa de entrada esta lotada de e-mails. Fico distraído vendo poesias, as formatações lindas, dando risadas com as piadas malucas.
Ah! Essa música me leva a Londres e a boas lembranças de tempos idos.
- Tio, pede para colocar margarina e queijo também.
Percebo que o menino tinha ficado ali.
- Ok. Vou pedir, mas depois me deixe trabalhar, estou muito ocupado, ta?
Chega a minha refeição e junto com ela meu constrangimento. Faço o pedido do menino, e o garçom me pergunta se quero que mande o garoto ir embora. Meus resquícios de consciência, me impedem de dizer. Digo que esta tudo bem.. Deixe-o ficar. Que traga o pão e, mais uma refeição descente para ele. Então ele sentou á minha frente e perguntou:
- Tio o que está fazendo?- Estou lendo uns e-mails.- O que são e-mails?- São mensagens eletrônicas mandadas por pessoas via Internet (sabia que ele não ia entender nada, mas, a título de livrar-me de maiores questionários disse):- É como se fosse uma carta, só que via Internet.- Tio você tem Internet?- Tenho sim, essencial ao mundo de hoje.- O que é Internet ?- É um local no computador, onde podemos ver e ouvir muitas coisas, notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, sonhar, trabalhar,aprender. Tem de tudo no mundo virtual.- E o que é virtual?
Resolvo dar uma explicação simplificada, novamente na certeza que ele pouco vai entender e vai me liberar para comer minha refeição, sem culpas.
- Virtual é um local que imaginamos, algo que não podemos pegar,tocar. É lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer. Criamos nossas fantasias, transformamos o mundo em quase como queríamos que fosse.- Legal isso... Gostei!- Mocinho, você entendeu que é virtual?- Sim, também vivo neste mundo virtual.- Você tem computador?- Não, mas meu mundo também é desse jeito... Virtual. Minha mãe fica todo dia fora, só chega muito tarde, quase não a vejo, eu fico cuidando do meu irmão pequeno que vive chorando de fome e eu do água para ele pensar que é sopa, minha irmã mais velha sai todo dia, diz que vai vender o corpo, mas não entendo, pois ela sempre volta com o corpo, meu pai está na cadeia há muito tempo, mas sempre imagino nossa família toda junta em casa, muita comida, muitos brinquedos, de natal e eu indo ao colégio para virar medico um dia. Isso é virtual não é tio?
Fechei meu notebook, não antes que as lágrimas caíssem sobre o teclado.
Esperei que o menino terminasse de literalmente "devorar" o prato dele, paguei a conta, e dei o troco para o garoto, que me retribuiu com um dos mais belos e sinceros sorrisos que já recebi na vida e com um "Brigado tio você é legal!".
Ali, naquela instante, tive a maior prova do virtualismo insensato em que vivemos todos os dias, enquanto a realidade cruel rodeia de verdade e fazemos de conta que não percebemos!